sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O aluno faz a faculdade ou a faculdade faz o aluno?

 O Ministério da Educação - MEC - suspendeu 11 mil vagas de 136 cursos de Direito por considerá-los insatisfatórios.
 A avaliação é feita a partir da nota obtida pelos alunos no Enade, a titulação e o regime de trabalho do corpo docente e infraestrutura.
 Notas: 1 e 2 - curso insatisfatório; 3 - razoável; 4 e 5 - bons.
 A intenção, nos dizeres do secretário, é fixar, no máximo, 100 vagas na abertura do curso para garantir a qualidade do ensino.
 Será mesmo que é tão profunda a relação entre a má qualidade do curso e o número elevado de vagas disponibilizadas?
 As vagas, vale a ressalva, poderão ser "devolvidas" conforme os cursos melhorarem. (é para piorar de novo, então?).
 Desde pequena eu escuto aquele ditado de que quem faz a escola/faculdade é o aluno. 
 Acompanho colegas que dão aulas em diversas faculdades e, na esmagadora maioria das vezes, os comentários são de que os alunos não querem nada com nada; de que não é possível exigir demais nas provas; de que o coordenador/diretor não deixa fazer provas difíceis ou reprovar determinado número de alunos.
 Ainda escuto que eu sou "brava".
 Isso tudo me faz pensar: A faculdade acredita no aluno?
 O fato dos alunos não estarem nem aí permite ao professor que se abstenha de aprofundar suas aulas?
 Será que algum aluno está preocupado com esse raio do Enade?
 Qual deveria ser o critério para avaliação de um curso? Afinal, para quem é o curso? 
 Se o aluno não está disposto a estudar e o professor não se importa, penso que existe um consenso aí, não?
Cabe ao MEC com esses critérios eleitos fazer esse tipo de avaliação, ou seria melhor, ao invés de testar conhecimento com prova chata, conhecer os alunos das universidades?
 Suspender vagas de nada adianta. Números não adiantam. Protocolos são em vão.
 É preciso proximidade, vontade, empenho.
 Além do mais, depois de tudo, ainda tem o "adorado" exame da OAB para "filtrar". 
 Quando alguém vai parar para pensar e efetivamente fazer alguma coisa sobre o critério de avaliação do conhecimento das pessoas neste país?









domingo, 9 de outubro de 2011

Quem perturbou meu descanso?

  Após um curto período de descanso, aqui estou de volta, agora mestre em Direito das Relações Sociais. Ausência justificada, portanto. Apenas pensar na banca do mestrado já me deixava completamente exausta... Mas passou e a vida continua, com um título a mais, num país onde isso é supervalorizado.
  É impressionante a diferença que um título qualquer faz no currículo de alguém. O problema é que ninguém para e pensa o que tem por trás deles... Instituições muitas existem que não formam mestres, mas amestrados. Outras.... bem, pagando, vale tudo; estudo é secundário.
  São muitas as pessoas que existem que não carregam qualquer título e são verdadeiras educadoras, mestres por excelência. Reconhecimento? Nenhum. Universidades pagam conforme o nível de formação evidenciado por uma palavra no currículo. 
  E assim também segue o ensino no país: superficial.
  Meus estudos e minha folguinha relâmpago, porém, não me afastaram de perplexidades...
  Como diria Marcelo Taz, não sei o que andam colocando na água do Ministério Público.
  Rogério Leão Zagallo, promotor de justiça (?), foi um dos elementos perturbadores do meu descanso. 
  O protagonista lamentou que um policial tenha matado apenas um de dois supostos criminosos, com comentários absolutamente sinceros:
   "O agente matou um fauno que objetivava cometer assalto contra ele..."; "Fica aqui o conselho para Marcos Antônio: melhore sua mira.".
  Fico pensando o que passa na cabeça, nem vou cogitar em cérebro, de alguém que se acha na condição de chamar um semelhante (sim, somos todos seres humanos) de fauno.
  Talvez ele se ache melhor que outros... não, talvez ele tenha essa certeza... Aliás, talvez seja esse o significado de promoção da justiça...
  O funcionário público seguiu seu raciocínio (?):
  “Após tal fato, quase toda a Polícia Civil, os Jedis, os Power Rangers, os Brasinhas do Espaço, a Swat, Wolverine, o Exército da Salvação, os Marines, Iron Man, a Nasa, os membros da Liga da Justiça e o Rambo, auxiliados pelo invulgar investigador Esquilo Secreto, se imanaram e realizaram uma operação somente vista em casos envolvendo nossos bravos policiais civis, mas que deveria ser realizada em qualquer caso dos inúmeros vivenciados em São Paulo, com o escopo de prender aquele ousado fujão."
  Ora, ora, eis que surge um talento no Ministério Público! Já vejo até as manchetes: Promotor larga a toga para ingressar no stand up comedy.
  Eu, como cidadã, tenho vergonha. E tenho absoluto desgosto em contribuir para a remuneração de funcionário deste naipe... E tenho muito medo só de pensar que podem existir outros "Leões" a solta nos fóruns.
  O outro, promove sopapos durante um plenário, agredindo o advogado de defesa. 
  A cena é tão surreal que é difícil até de comentar. Nunca imaginei  ver um acusado tendo que dar licença para que o pau comesse solto e não sobrasse pancada nele também.
  O promotor dos bofetes se descontrolou de uma forma que eu fico pensando se é um daqueles que entra na listinha de que talvez não tenha aptidão para o exercício da profissão.
  É essa a postura que se espera de profissionais cuja tarefa envolve a vida de alguém?!
  Imagine o cirurgião estapeando o anestesista no centro cirúrgico enquanto o paciente está sendo operado... é mais ou menos isso que acontece... 
  Pode parecer cômico, mas é de uma seriedade gigantesca... ainda mais se for considerar o conteúdo da discussão, digna dos tempos escolares do início da alfabetização.
 A par da dupla de promotores, outro acontecimento que ainda me causa indignação é o embrólio envolvendo o Rafinha Bastos e a cantora gestante.
 Voltamos aqui à superfície... É tão evidente, e todo mundo sabe disso, que o sujeito não quis dizer que tem vontade de "comer" o bebê, que eu sinceramente não entendo o que está acontecendo...
  A piadinha pode ter sido mal colocada, de mau gosto, ou sei lá qual adjetivo mais poderia ser aplicado, mas foi uma piada. Aliás, foi até um elogio! O cara simplesmente quis dizer que transaria com a moça mesmo ela estando grávida, porque ainda assim está bonita.
  O falso moralismo que surgiu com essa estorinha é lamentável. "Penalizar" o sujeito impedindo sua participação no programa a pedidos de Ronaldo fenômeno, que é amigo do marido da cantora como meio de mostrar a sociedade que aquilo foi feio, é do tempo do Jardim da Infância...
  E o pior, isso ainda vai dar o que falar... 
  Eu advogava para o Rafinha se isso parasse no judiciário, e de graça ainda, porque eu queria muito ver o que vai sair de um processo desses....
  E a moça deve ter tantos compromissos e ocupações com a chegada do bebê, que deveria se dedicar a isso, que é muito mais saudável.
 
 

  
 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

CSI Brazil

      Agora sim. O Senado aprovou Projeto de Lei (93/2011), de autoria do Senador Ciro Nogueira, que estabelece a identificação genética para os condenados por crime praticado com violência contra a pessoa ou considerado hediondo.
      Segundo o Senador, já passa da hora do Brasil contar com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência, a exemplo do sistema CODIS (Combined ti 2010-1080DNA Índex System), usado pelo FBI.
    A ideia é criar um banco de dados que além de ser alimentado por vestígios retirados de cenas de crime (sangue, unhas, cabelos, pele etc.), contenha material genético tirado de condenados, para facilitar o trabalho de investigação.
     É curioso que, em uma parte da justificativa do projeto, o Senador diz que é óbvio que o DNA, por si só, não pode provar a culpabilidade de alguém ou inocentar. No final, ele afirma que a “determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar inocentes (...)”. Então tá...
     No texto da lei, há previsão de que os condenados por crimes praticados dolosamente (intencionalmente), com violência de natureza grave contra a pessoa, ou por qualquer crime hediondo, obrigatoriamente deverão ser submetidos à identificação do perfil genético mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor. Ufa...
    O material será armazenado em banco de dados sigiloso e será excluído no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do crime. Excluído?!
     O Delegado – federal ou estadual – poderá pedir para o juiz, no caso de inquérito policial, o acesso ao banco de dados de identificação.
   Fala sério... Qual a chance de num país como o Brasil, onde pessoas são processadas e condenadas por reconhecimento fotográfico em delegacias, um negócio deste funcionar?!
     Se o DNA bater, pode vir o Papa se colocar de álibi que não vai ter escapatória.
     Não podemos negar nossa origem lusitana.
    Vamos criar um banco de dados para facilitar investigações. A pessoa é obrigada a ceder material genético depois de condenada (mas só em certos crimes... em outros, não tem problema).
    Essa cronologia só pode levar a conclusão de que o DNA será armazenado para eventual comparação futura, certo?
   Errado! Vamos excluir o material colhido depois de um tempo.Claro, porque ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
     Agora, alguém me diz... De que vai adiantar sair pegando saliva ou furando as pessoas por aí?
     Resposta? DNA – De Nada Adianta.
   Acho até louvável pensarmos em medidas que contribuam para o sucesso das investigações criminais, mas brincar de CSI, para mim, é demais...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O dilema tostines

  E o mutirão hein?
 Fica difícil a gente acompanhar o mutirão carcerário quando a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo impede que a imprensa acompanhe as inspeções penitenciárias.
 Tudo bem que não precisamos de imprensa ou bola de cristal para saber a situação dos presídios. Então, qual será o motivo desta censura?! 
 Que os presos vivem como dejetos humanos em lixeiras, quer dizer, presídios, todo mundo sabe. Que existe superlotação, todo mundo sabe. Que um montão de presos está lá quando já poderiam estar libertos ou cumprindo outro regime prisional, também não é novidade. 
 Censurar o quê então?! 
 A vergonha que todo mundo vai ter se parar para pensar que o que deveria ser feito não é feito? Que os processos e as pessoas neles envolvidas são esquecidos no meio de ácaros e traças gordas? 
 É lamentável existir mutirão carcerário. E é vergonhosa a brilhante conclusão a que se chega: superlotação. 
 Ora, o mutirão começa por causa da superlotação e conclui que há superlotação. Construtivo, não? 
 Aí, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anuncia que haverá um plano de ampliação e modernização do sistema prisional brasileiro. 
 Agora sim eu acho que o problema carcerário no país vai se resolver. Tô tranquila. 
 Vamos construir mais lixões! Mais modernos e seguros, garantindo que os presos efetivamente fiquem lá e sem qualquer chance de reciclagem. 
 Com mais presídios e menos superlotação, será que teremos mutirões? 
 Não deveríamos, mas teremos. Pessoas são condenadas à própria sorte. Se não tiverem advogado, têm mesmo é que rezar para ter mutirão todo mês. 
 E o Ministro acha “ousada” a aplicação de R$ 1 bilhão no aumento de vagas e em medidas que visem proporcionar a reinserção social dos presos ao fim do cumprimento das penas. 
 Eu não acho ousado, acho a maior cara de pau. 
 Ninguém vai pensar em alternativas efetivas para os problemas criminais, enquanto for mais fácil construir containers e jogar as pessoas lá. 
 Mas aqui fica a dica para quem quiser refletir: Mais gente presa é igual a mais criminalidade ou mais criminalidade é igual a mais gente presa?

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Afinal, quem é que precisa de lições de civilidade?


  O Direito foi criado para manter a ordem social e solucionar conflitos, ainda que para isso seja preciso afastar alguém da sociedade, mandando para a prisão.
  Essa função, muitas vezes, passa para as pessoas, a ideia de que juízes, advogados, promotores e delegados são diferentes dos humanos, como se tivessem superpoderes ou algo assim.
  Tal sensação, embora não corresponda à realidade, é até compreensível por causa de todo o cenário que envolve o Poder Judiciário.
  O que é difícil de entender é o próprio operador do Direito acreditar que é o Batman ou algum super herói do gênero.
 O mais interessante, é que esse alter ego parece aflorar, com maior frequência, naqueles que têm a função de acusar.
  Algumas posturas realmente são complicadas de explicar.
 Além dos acontecimentos que vão parar na mídia envolvendo promotores, vivencio o dia-a-dia dos processos, das audiências, sinto isso na pele.
  É claro que existem profissionais que exageram em todas as profissões mas, no meio jurídico, parece que os promotores lideram o ranking de atitudes, digamos, inusitadas.
  Quando começaram a ler para mim a notícia do entrevero no Mackenzie (clique aqui), envolvendo aluna e professor, ao final do primeiríssimo parágrafo, eu disse: certeza que é promotor.
  E depois eu pensei: precisa disso?
 Precisa sair no jornal algo que deveria ser resolvido dentro da própria faculdade, expondo várias pessoas?
 Um episódio lamentável dentro de uma instituição de ensino, onde o professor deveria dar o exemplo!
 É inimaginável ameaçar um aluno de prisão por questionar métodos pedagógicos!
  E no fim das contas, o rolo não envolveu um só, mas dois promotores, conforme noticiaram.
  Além da educação duvidosa do mestre que teria batido a porta na cara da aluna, a tolerância é algo que não existe.
  A impressão que dá é a de que promotores têm verdadeira mania em querer prender os outros, como se ninguém mais pudesse fazer isso.
  Todo mundo pode prender alguém que esteja em situação de flagrante delito. Qualquer um pode fazer isso.
  Mas o promotor parece achar que vindo dele, a prisão é mais “especial”, que a profissão dele muda alguma coisa, sei lá.
  Esta semana tive a infelicidade de quase sair surda de uma audiência, após passar praticamente uma hora na presença de uma promotora que, se não tiver algum problema de audição que justifique a altura de sua fala, certamente imagina que está declamando para o povo de Roma, lá de dentro do Coliseu, sem microfone, ansiosa para que os leões comam vivos os gladiadores e que todos morram com requintes de crueldade.
  A pessoa esquece que presta um serviço público e que aqueles envolvidos no processo são seres humanos.
  Serviço público, diga-se, que não se resume a “colocar bandido na cadeia”. Até porque, quem decide isso é o juiz, e não o promotor.
  Aliás, essa é uma coisa que muita gente não sabe... Promotor não decide nada, promotor palpita. Quem decide é o juiz, o desembargador, o ministro... o promotor, nunca. Promotor pede.
  Promotor de Justiça deve, como diz o nome, promover a justiça e não a discórdia, a balbúrdia dentro de uma sala de audiência, ou fora dela, dando voz de prisão à toa por aí. Deve saber, no mínimo, portar-se; ter educação, ao menos.
  Deve manter o espírito conciliador e não comportar-se como se estivesse na época da inquisição. Deve buscar contribuir para solucionar conflitos, e não para criar outros. Deve respeitar o advogado, o acusado, a vítima, o juiz, os funcionários do gabinete e, principalmente, a sociedade que, inclusive, paga seu salário gordinho.
  Já foi o tempo em que cara feia e grito assustavam alguém nesse mundo ou resolviam alguma coisa.
  Muitos acreditam que têm uma fama a zelar mas, se realmente tivessem alguma noção de sua “fama”, tenho certeza de que não seria motivo para se gabarem.
  Armar um verdadeiro circo, seja na sala de audiência, ou no plenário do Júri, é assumir um papel de aberração, fazendo de palhaços todos os demais presentes, em um espetáculo que ninguém gostaria de assistir.
  Usar de “prerrogativas” para ofender pessoas ou tentar intimidá-las, é apenas expor sua fraqueza de inteligência e humanidade.
 Pessoas que se colocam acima das outras não servem para prestar esse serviço ou qualquer outro.
 Os funcionários do Ministério Público, os juízes, enfim, profissionais que alteram ou interferem de alguma forma na vida dos outros, deviam ser submetidos a exames psicológicos periódicos porque, clara e notoriamente, existem pessoas absolutamente inaptas ao exercício da profissão, como aquela que eu tive o desprazer de encontrar, que se mantêm na atividade porque, neste país, a maior parte do povo se intimida com qualquer um que mostre a cara na televisão se passando por valente ou “linha dura”.
  No fim das contas, voltando à minha audiência, a caricata figura pensou que poderia determinar, aos berros, e com direito a dedo na cara e tudo, que o sujeito (meu cliente) assistisse à palestras de civilidade porque, como praticante de jiu jitsu, precisaria aprender a viver em sociedade (não me pergunte qual a relação entre uma coisa e outra, por favor. Jamais saberei responder).
  E eu, depois de olhar ao redor com muito cuidado e me certificar de que eu não estava ao vivo no programa do Datena, fiquei ali pensando que a pessoa precisava de um espelho enorme porque civilidade é algo que ela, definitivamente, não sabe o que é.
  E quantos sabem?!

        

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Azarados?


        Na última semana, a imprensa escancarou o trabalho de pessoas em condições análogas às de escravo, expondo a marca Zara como a grande vilã da vez.
         O problema, além de trabalhista, é criminal.
Apenas para ilustrar, o Código Penal estabelece pena de prisão de dois a oito anos e multa (além da pena correspondente à eventual violência) àquele que submete alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, seja em condições degradantes ou restringindo a locomoção do empregado em razão da dívida contraída com o empregador.
O crime também ocorre quando o empregador cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais, com o fim de deixá-lo no local de trabalho.
Se a vítima for criança ou adolescente, e se o crime for cometido por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena é aumentada da metade.
         Não vou aqui falar do óbvio. Tentarei dizer, fugir do aprisionamento causado pelas palavras sempre ditas.
         Sempre insisto que o direito existe para servir à sociedade, não o contrário.
         Para que a lei tenha função social, é preciso que acompanhe a realidade, que efetivamente preveja algo útil, caso contrário, a punição nada mais será que um mero castigo vazio. Prender alguém ou cumprir regras trabalhistas não altera a condição dessas pessoas.
         A situação é angustiante. A mídia mostrou aquilo que todo mundo já sabe que acontece e que detesta olhar, impedindo que façamos o possível para não ver ou não pensar.
         Ninguém gosta de olhar aquilo que estraga a paisagem e, teimosamente, não dissolve.
         O fato é que vivemos numa sociedade de consumo. Estamos acostumados a substituir coisas por outras mais modernas, mais bonitas, mais úteis. O consumo exige a novidade e está em constante movimento.
         Numa sociedade de consumidores, aqueles que não consomem, não podem jogar. São desnecessários, redundantes.
         Pode parecer exagero, mas não é.
         Os reality shows estão aí para comprovar. Não existem pessoas indispensáveis. Na convivência humana, uma pessoa é útil enquanto puder ser explorada e o grande desafio é sobreviver aos outros. Aqueles desajustados, menos habilidosos, menos determinados, são definitivamente excluídos.
Excluídos do único jogo disponível, os seres humanos redundantes – desnecessários, sem uso - são inseparáveis da modernidade, são efeitos colaterais do progresso.
Não se tratam de meros desempregados, condição temporária e anormal. Sabemos a cura para o desempregado: emprego.
Já os redundantes são dispensados pelo fato de serem dispensáveis; retirados da linha de montagem, por não terem atrativos, compradores.
Afinal, o que é o empregador senão um comprador de nosso tempo disponível e de nossos conhecimentos e habilidades, enquanto lhes forem úteis?
Sem ter para onde ir ou algo para fazer, os redundantes buscam sobreviver, muitas vezes deixando seus países nativos em busca de melhor sorte. Refugiam-se na criminalidade ou servem de combustível para orgias consumistas. Uma função útil para manter o mundo no seu rumo atual.
Aliás, desempenham um papel essencial para as políticas de inclusão social e para o discurso de autoridade do Estado.
O refugo é a vergonhosa poeira debaixo do tapete de toda a produção.
Deixar ou não de comprar roupas na Zara ou onde quer que seja, nem de longe contribui para minimizar a situação dos redundantes. Seria o mesmo que tentar não comprar coisas produzidas na China, isto é, uma tarefa praticamente impossível.
Para que se busque uma solução, é preciso, primeiro, conhecer a origem e a dimensão do problema para, depois, procurar os meios disponíveis para tanto ou criar novas ferramentas, sejam elas jurídicas ou não.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Canetada

HEIN?!
   Essa foi a primeira coisa que passou na minha cabeça quando vi a notícia de que a juíza Margot Correa Bergossi, da 5ª Vara Cível do foro regional de Pinheiros bloqueou todos os bens de Marcelo Malvio Alvez de Lima, o motorista do Porsche mais falado dos últimos tempos (decisão na íntegra, clique aqui).
   Bem, vamos tentar entender as coisas.
   Entraram com uma ação para preservar bens que possam pagar uma futura indenização a ser pedida pelos familiares da vítima.
   A juíza, sem ouvir o motorista, decidiu que tudo fazia muito sentido e bloqueou todos os bens.
   Apenas para esclarecer, para que uma medida desse tipo seja concedida, é preciso demonstrar aquilo que se chama de fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (perigo na demora). Ou seja, o pedido da pessoa deve estar amparado no direito e deve se demonstrar que existe urgência na providência que se busca, para evitar um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
   Evidentemente, isso tudo deve estar relacionado ao pedido que, neste caso, é guardar dinheiro para futura indenização. Assim, basicamente, deveria restar comprovado que o sujeito está prestes a se desfazer do seu patrimônio ou que já está fazendo isso.
   Pois bem, na visão da juíza, Marcelo, na condução de seu veículo, a 150km/h, causou um acidente grave, com vítima fatal.
   Pronto, eis aí o fumus boni iuris. Não entendeu? Muito menos eu... O que tem a ver uma coisa com a outra, até agora ninguém conseguiu descobrir.
   Vamos continuar, porque precisamos, agora, descobrir onde está o raio do periculum in mora.
    Opa! Já encontramos! Ele está na personalidade do motorista! (por essa eu sei que você não esperava).
   Veja como tudo é muito óbvio.
   A juíza, sarcasticamente, entendeu que Marcelo é um sujeito egocêntrico e irresponsável porque "imprimir cerca de 150 Km em um veículo na via pública de uma cidade como São Paulo só pode nos levar a crer que ele, o réu, desconhece que a rua é um local público, que pertence a todos e não somente a ele". 
   Por causa disso, vou repetir, por causa disso, Marcelo certamente será irresponsável e egocêntrico no que diz respeito ao seu patrimônio também. 
    Não é evidente o link?!
   "Mas não é só." Reparem no capricho da fundamentação: "em razão da repercussão do caso junto a nossa sociedade, penso que o réu deverá ser responsabilizado com todo o rigor para que sirva de exemplo aos demais motoristas irresponsáveis e que tiram vidas precocemente no nosso trânsito".
   Você deve estar se perguntando: mas o que isso tem a ver com guardar o dinheiro do cara? - pois é, eu também me perguntei...
   É irônico. Quando o processo demora, é porque demora; mas quando um juiz resolve ser pró-ativo, o povo reclama também...
   Afinal, por que um monte de processos se podemos resolver tudo num só?! E mais, com resultados incríveis.
   O sujeito vira bode expiatório, é punido severamente e, de brinde, leva-se o bloqueio de todos os seus bens! E tudo isso, claro, sem que ele saiba. Sim, porque só vai tomar conhecimento depois que tiver se danado por completo, e o advogado dele que se vire para reformar isso no Tribunal.
   É isso. Um viva às promoções de inverno!